TotalEnergies, gigante petrolífera francesa, foi condenada por um tribunal de Paris por veicular publicidade enganosa relacionada ao seu suposto compromisso com a defesa do clima. A decisão, considerada histórica, representa um marco no embate entre as grandes multinacionais do setor energético e os defensores do meio ambiente, e lança luz sobre práticas de marketing que mascaram realidades corporativas incompatíveis com a transição ecológica global.

A sentença ocorre quatro anos depois de a empresa ter suspendido o projeto de construção da fábrica de liquefação de gás natural (GNL) na Bacia do Rovuma, em Moçambique, alegando “Força Maior” devido aos ataques terroristas em Cabo Delgado. À época, a justificativa gerou controvérsias e suspeitas de manipulação política e económica.
Segundo o jornal Le Monde, citado pela Reuters, o tribunal reconheceu que a TotalEnergies induziu o público a acreditar que suas operações seguiam políticas alinhadas à proteção do meio ambiente e ao Acordo de Paris, quando, na prática, suas atividades e investimentos continuam centrados na exploração de petróleo e gás.
A CONDENAÇÃO E SEUS FUNDAMENTOS
A queixa contra a TotalEnergies foi apresentada por três organizações ambientalistas francesas: Greenpeace França, Amigos da Terra e Notre Affaire à Tous. As ONGs recorreram ao código de proteção ao consumidor francês, argumentando que a comunicação da empresa era enganosa e manipulava a percepção pública.
Os juízes concordaram, determinando que a multinacional interrompa imediatamente o uso de slogans e declarações falsas sobre o seu envolvimento na “transição energética”, e que publique a decisão judicial em seu site oficial por 180 dias, além de pagar multas compensatórias às ONGs.
O tribunal entendeu que, ao afirmar ser “líder na transição energética” e “ator comprometido com a neutralidade de carbono”, a empresa criou uma falsa impressão junto aos consumidores, visto que a maioria de suas receitas e investimentos segue concentrada em combustíveis fósseis.
O DISCURSO VERSUS A REALIDADE
A decisão judicial expõe um contraste gritante entre o discurso público da TotalEnergies e a realidade de suas operações.
Em 2023, mais de 90% da receita da empresa — cerca de 240 mil milhões de dólares — ainda provinha de petróleo e gás. As energias renováveis e de baixo carbono representavam menos de 10% dos investimentos totais, evidenciando que a suposta transformação energética era mais cosmética que estrutural.
Quando, em 2021, a companhia alterou seu nome de “Total” para “TotalEnergies”, anunciou tratar-se de um marco simbólico de transição ecológica. O novo logotipo, com cores vibrantes que remetiam ao sol e ao vento, e as campanhas institucionais sobre “reinvenção da energia”, foram apresentados como evidência desse novo compromisso ambiental.
Contudo, segundo o tribunal, tudo não passou de uma operação de marketing corporativo, ou “greenwashing” — termo usado para descrever estratégias de imagem que tentam mascarar práticas nocivas ao meio ambiente.
A POLÊMICA DO PROJETO DE GNL EM MOÇAMBIQUE
O caso ganha contornos ainda mais sensíveis para Moçambique.
A TotalEnergies abandonou o projeto de liquefação de gás na Bacia do Rovuma em 2021, alegando condições inseguras causadas pelos ataques terroristas em Cabo Delgado. Entretanto, a empresa continuou a operar normalmente em outros países com conflitos armados de maior intensidade, como Nigéria, Síria e Iraque, o que levanta suspeitas sobre a verdadeira motivação por trás da decisão.
Agora, ironicamente, a empresa anunciou que retomará as obras em breve, apesar de as condições de segurança permanecerem praticamente inalteradas. Pior: há relatos de que a multinacional pretende cobrar do governo moçambicano uma compensação financeira pelos supostos prejuízos sofridos durante a paralisação.
Se confirmada, essa indemnização seria deduzida das receitas futuras do gás, reduzindo consideravelmente os ganhos de Moçambique — um país que enfrenta sérias dificuldades financeiras.
Fontes próximas ao presidente Daniel Chapo afirmam, contudo, que o governo moçambicano não pretende aceitar tais condições, coerente com a sua postura de renegociar contratos considerados desvantajosos ao interesse nacional.
UMA VITÓRIA DAS ONGS E UM PRECEDENTE JURÍDICO
Para as organizações ambientalistas, a condenação representa uma vitória histórica. É a primeira vez que uma multinacional do porte da TotalEnergies é condenada judicialmente por publicidade enganosa relacionada ao clima.
O caso também sinaliza uma mudança de paradigma: tribunais começam a julgar as grandes corporações energéticas não apenas pelo que produzem, mas pelo que prometem.
A decisão destaca que as palavras agora têm peso jurídico — empresas que promovem uma imagem de sustentabilidade sem alterar substancialmente seus modelos de produção poderão ser responsabilizadas.
AS PALAVRAS DE PATRICK POUYANNÉ
O CEO da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, tem defendido publicamente que o mundo “ainda precisa de petróleo e gás”, e que o gás natural seria um combustível essencial na transição energética. A empresa continua entre as três maiores comercializadoras de GNL do mundo, expandindo operações em Catar, Moçambique e Estados Unidos, além de novos projetos de petróleo e petroquímica no Médio Oriente.
Os tribunais franceses consideraram essas declarações incompatíveis com as mensagens publicitárias da empresa, que sugeriam uma transição ecológica já em curso.
O SIGNIFICADO DA CONDENAÇÃO
A sentença da Justiça francesa rompe com décadas de impunidade narrativa em que as grandes petrolíferas dominavam o discurso ambiental sem alterar seus fundamentos económicos.
Segundo o texto da decisão, “a transição energética depende de mudanças reais, não de adaptações linguísticas”.
A derrota da TotalEnergies, portanto, abre precedente jurídico para que outras multinacionais sejam processadas caso promovam campanhas de marketing enganosas sobre sustentabilidade.
Mais do que uma multa simbólica, trata-se de uma advertência global: a era do “greenwashing” corporativo está com os dias contados.